Por que os ateus são odiados?

Por William de Oliveira no Blog Bule Voador

Oras, que diferença há entre um ateu fundamentalista e um religioso fundamentalista? Para mim, nenhuma.

Por que as pessoas teístas não gostam dos ateus? Ou, por que eles têm medo ou receio deles? Por que em uma pesquisa feita recentemente, os ateus encabeçam uma lista de rejeição ? Essas perguntas podem parecer, a nós ateus, simplesmente frutos de uma atitude preconceituosa vinda de uma maioria religiosa, mas não é bem assim. Na verdade, existe toda uma construção histórico-social por trás dessas posturas, e é sobre isso que quero tratar nesse breve texto.

Em primeiro lugar, essa rejeição tem relação com uma incapacidade do ser humano, particularmente o homo religiosus, de aceitar o diferente. Dentro das religiões, somos “treinados” para reconhecer o diferente, não como um simples viés alternativo, mas como um opositor, um inimigo a ser combatido, seja com pregação, seja com guerra. Nesse sentido, um cristão, por exemplo, rejeitará um ateu da mesma forma que rejeitará os membros de outras religiões. Para um cristão, um ateu, um budista, um espírita, um islâmico ou um membro de religião afro, são reféns de um único destino, o inferno, não por que sejam maus ou algo do gênero, mas por que são diferentes, por que suas explicações e visões de mundo são divergentes ou até contrárias ao da visão bíblica.

Lembro-me bem da época em que fazia parte de uma igreja protestante, de como era difícil fazer novos amigos ou mesmo encontrar uma namorada. Isso por que, tanto um quanto a outra, não podiam ser “diferentes”, não podiam não fazer parte do gueto religioso. Isso significa que, quando alguém decidir iniciar uma amizade com um desses religiosos evangélicos, de uma coisa ele deve estar bastante convencido, a primeira pergunta que o seu potencial amigo cristão vai querer respondida é “você já aceitou Jesus?”. Dependendo da resposta, esse alguém poderá ganhar mesmo um amigo, ou terá um evangelista chato tentando convencê-lo de que Jesus é deus e quer lhe salvar (do inferno que eles mesmos criaram, é claro). Sei que isso já avançou um pouco em algumas comunidades, mas em boa parte delas ainda é exatamente assim.

Em segundo lugar, os teístas tem dificuldade em aceitar os ateus por causa daquilo que eu chamo de “questão de Dimitri”. Esse Dimitri é o personagem criado por Dostoievski, que compunha um dos três irmãos Karamazov. Em certa altura do romance, ele solta uma das mais famosas perguntas da literatura mundial “Mas como ele (o homem) seria virtuoso sem Deus?“. Pergunta essa que mais tarde levaria Jean-Paul Sartre a atribuir a Dostoievski a não menos famosa proposição “Se Deus não existe, então tudo é permitido”. É essa associação automática que os teístas fazem entre moralidade, virtude e a existência de deus que eu chamo de questão de Dimitri. Para eles a moral vem de alguma divindade (convenientemente a sua), e a ausência desse deus evidentemente anula também a moral que ele ordenou aos homens. É por esse tipo de opinião que presenciamos casos como o do apresentador Datena, que disse que a violência da bandidagem era causada pela “falta de deus no coração”.

Talvez, quem melhor lidou com essa verdadeira falácia, foi o filósofo Ludwig Feuerbach, através da sua obra maior “A Essência do Cristianismo”, escrita em 1841. Nessa obra, entre outras coisas, ele argumenta exatamente sobre essa ideia equivocada, dando a ela uma solução bastante plausível. Resumidamente, a tese de Feuerbach afirma que, ao contrário do que diz os cristãos, não foi deus quem criou os homens, mas foram os homens que criaram divindades. Essa proposição não apenas desconstrói a ideia da existência real de deus, mas, juntamente, também desmonta toda a lógica que afirma ser deus o detentor da moralidade, devolvendo assim aos homens a origem da mesma. Ou seja, se foram os homens que criaram deus, então também foram eles que criaram tudo o que envolve esse deus, o que inclui a moralidade. A moral, então, torna-se um legado humano. Curiosamente é que muitos ateus, mesmo os famosos como Nietzsche, não conseguem compreender isso e, ou acabam condenando o ateísmo ao niilismo, ou simplesmente agem passivamente com as religiões, mesmo as mais absurdas, por considerarem elas a fonte legítima da virtude.

Por último, e não menos importante, temos que reconhecer que muitos dos ateus de hoje foram os teístas de ontem, e, geralmente, eles acabam trazendo para o seu ateísmo o mesmo fundamentalismo que tinham quando acreditavam em deus. Não precisamos nos esforçar muito para achar nas redes sociais diversos ateus agindo exatamente dessa forma. Eu mesmo, já me recusei a participar de grupos ateus por entender que, ao invés de propagar questões relevantes para sociedade, investiam todo o tempo com atitudes carregadas de intolerância e agressividade. Oras, que diferença há entre um ateu fundamentalista e um religioso fundamentalista? Para mim, nenhuma. Como eu disse certa vez, não há nenhuma diferença entre um estado ateu e uma teocracia, pois ambos tendem ao autoritarismo. Da mesma forma, não há diferença alguma entre fundamentalismo ateu ou teísta.

Acredito que ateus, pelo menos nós que somos ateus defensores do humanismo e do secularismo, precisamos urgentemente abandonar assunto irrelevantes, como as tais agressividades aos religiosos, para nos dedicar a temas realmente importantes, como os direitos humanos, o estado laico e uma divulgação adequada dos postulados científicos. É evidente que isso não aumentará a aceitação dos ateus, e eu nem acho que isso seja fundamental para nós, mas com certeza estaremos deixando um verdadeiro e legítimo legado a humanidade que defendemos.

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